— O sentimento de inferioridade afecta toda a nossa vida e, em particular, o pensamento. Sabia? Por sermos inseguros, inventamos um sistema muito estável e rígido para nos manter na vertical. Um sistema que nos simplifica as complexidades que nos parecem desnecessárias. E a maior simplificação é pensar as coisas em termos de preto-branco, em pensar baseado em antíteses simples. Compreende o que estou a falar? A mente estabelece um conjunto de contrários distintos: preto-branco, dia-noite, cima-baixo, mulher-homem, e eles determinam toda a nossa percepção. Não existe nada no meio. O mundo visto assim é muitíssimo mais simples; é fácil navegar entre esses pólos, é fácil estabelecer regras de conduta e é especialmente fácil julgar os outros, reservando amiúde para si o luxo da ambiguidade. Este tipo de pensamento protege-nos de toda e qualquer incerteza, zás-trás-pás, e tudo se torna claro, assim ou assado, não há uma terceira via. Aristóteles — o bezerro de outro. — Aqui, o médico riu-se tão alegremente que Wojnicz quase se juntou a ele. — Isto protege-nos da realidade feita a partir da multiplicidade de nuances muito subtis. Se alguém pensar que o mundo é um conjunto de extremos opostos, é porque está doente. Sei do que falo. É uma disfunção poderosa.
— E como é o mundo?
— Desfocado e pouco nítido, tremeluz umas vezes assim, outras vezes assado, dependendo do ponto de vista.
Olga Tokarczuk, Empúsio